Casa dos Artistas 3 e 4

Após a Casa dos Artistas 1 e 2 houveram mudanças.

Na Casa dos Artistas 3, após a saída de Rodrigo Carelli, fiquei mais solitária encarando todo tipo de seleção de candidatos à celebridade. Trabalhava com Paulo Belém, que escolhia o casting do programa e que era um alento de afeto e sensibilidade naquele ambiente, onde os critérios de decisões eram obscuros, além de não chegarem até mim. Após a Casa dos Artistas 2 tentou-se todo tipo de Reality, mas sem a presença de um diretor que entende a função da impermeabilidade real da membrana  do confinamento, qualquer programa desse tipo fracassa, o que acabou enterrando o projeto das Casas dos Artistas logo depois.

Casting

Realizei dezenas de entrevistas para seleção dos programas que recebiam inscrições abertas ao público. Ocorriam sob a tensão de que todas as fichas estavam ali postas na mesa. Raras entrevistas ocorreram sem que eu escutasse: Esta é a chance mais importante da minha vida. Ou ainda, este é o momento mais feliz da minha vida. Estar aqui, sendo entrevistado, numa televisão, é o melhor momento que já vivi. Eu preciso entrar neste programa, é a minha única chance!

Naqueles corredores receber as pessoas finalmente selecionadas de várias partes do Brasil, as que ultrapassaram todas as demais que se inscreveram,  foram pré-selecionadas e cortadas aos montes por não terem os dentes da frente – no momento impeditivo inquestionável para aparecer na TV – desfilava claramente a ordem estratificada da nossa sociedade em toda sua nudez. O desejo pulsando: quero aparecer, quero tanto ser artista!Eu também mereço um lugar ao sol… Que outra oportunidade tenho para mostrar o meu talento?  E a incerteza, minha carreira vai decolar quando eu sair daqui? Qual sua profissão? Filho do açogueiro, mas quero ser modelo; pastor evangélico, mas quero gravar um disco; pousei nua na revista mas quer mesmo ser vereadora, o sonho de minha mãe era ser artista, então estou aqui! Quero mostrar para o mundo quem eu REALMENTE sou.

Todos os sonhos humanos compactados, a miséria confrontada com o ideal de meritocracia onde cada um não é apenas mais um, é diferente.

Sempre perguntava: O que você vê quando se olha no espelho?

Maioria maciça das respostas: uma pessoa especial.

A promessa é que as câmeras darão conta de mostrar finalmente quem aquela pessoa é “de verdade”  E que do sofá da sala da abstrata entidade nomeada Brasil, esse mesmo EU se torne palpável, sólido e de preferência, comercializável!

Estou aqui para tentar a sorte, a vida é um show! O sujeito da fama se põe a mercê daquilo que ele supõe ser o desejo do outro. Atitude ativamente passiva, pois é o olhar do outro que o define. A posição sexual do exibicionista apesar de aparentar atividade caracteriza-se por estar sendo objeto da pulsão escópica do espectador, colocando assim o telespectador na posição ativa na relação. Todo processo de eliminação tenta dar esse presente de poder ao grande sofá da sala chamado pelo participante de Brasil.

Outra repetitiva fala que escutamos é “serei eu mesmo”. Como isso é possível se é de fora que o sujeito é determinado? A vivência do sujeito ainda se torna mais complexa pela promessa implícita em todos os formatos de que é possível mostrar TUDO.

O  problema de tornar-se celebridade é pensar que ao ser reconhecido pelo olhar dos outros suas conquistas não mais serão da ordem do trabalho e do esforço de criação, sempre comprometidos com a eterna movimentação operada pelas faltas e pelos desejos. Uma fantasia de eternamente admirado que pode gerar estagnação. A crença unânime é que ser visto traz lucro mas também disfarça de interesse monetário o desejo de simplesmente ser visto e conquistar consistência pelo olhar do outro.

Conheci casais formados no reality  por muito tempo ainda terem relações sexuais na própria casa embaixo dos edredons, fantasiando que as luzinhas vermelhas das câmeras ainda o têm sob “ameaça”.

Ser visto é o desejo que dá origem e justifica os meios. Ser visto, e depois ser reconhecido, em dois tempos. A base da estrutura do Reality está fora de lá, é predeterminada pelo formato e pelo desejo de agradar o público, satisfazê-lo.

O trabalho da Psicologia da Fama é imprescíndivel pois o Reality vai exatamente no caminho oposto ao da análise, que propõe justamente a implicação do sujeito em seu próprio desejo, confrontando-o com os ideais familiares, desconstruindo consistências imaginárias  e abrindo possibilidades através da fala e novas significações.